As obras de construção do troço Poceirão-Caia em Alta Velocidade já vão ser visíveis no terreno em Setembro, mas a ligação entre Lisboa e Poceirão, essencial para pôr nos carris o TGV até Madrid e que inclui a terceira travessia do Tejo, vai ser definitivamente repensada.
António Mendonça, ministro das Obras Públicas, assinou no dia 08 de Maio o contrato de concessão da primeira fase do projecto, mas não quis explicar mais detalhes sobre o adiamento, já anteontem anunciado por José Sócrates em Bruxelas. Disse apenas que "não está em causa a ligação Lisboa-Madrid em 2013" e que "há soluções técnicas de transição".
O ministro refere-se à possibilidade de fazer avançar a obra da terceira ponte sobre o Tejo apenas na sua componente ferroviária, deixando-a preparada para receber a construção do tabuleiro quando a situação financeira melhorar. O investimento de quase dois mil milhões de euros que está previsto para esta ligação tem apenas assegurado uma pequena fatia de 172 milhões de euros de fundos comunitários. Segundo António Mendonça, foram "as circunstâncias actuais" da economia que ditaram esta decisão, e que também veio afectar a construção do novo aeroporto (ver caixa). É através desta estratégia de reavaliação de grandes projectos, da antecipação de algumas medidas inscritas no Plano de Estabilidade e Crescimento (PEC) e de outros novos cortes que estão a ser ponderados que o Governo espera conseguir cumprir o que prometeu na sexta-feira a Bruxelas: reduzir este ano o défice para 7,3 por cento, em vez da anterior meta de 8,3 por cento, o que equivale a poupanças da ordem dos 1600 milhões de euros (ver textos na página ao lado e página 20).
Já esta semana Vítor Constâncio tinha considerado que seria normal suspender os investimentos programados, numa fase em que é preciso reforçar o PEC e reduzir mais o défice. Para Cavaco Silva, a decisão de repensar o troço Lisboa-Poceirão "vai ao encontro daquilo que muitos economistas e políticos têm defendido". O Presidente da República, que falava em Óbidos, reúne-se amanhã com um grupo de ex-ministros das Finanças (incluindo dois socialistas) que defendem a suspensão das grandes obras públicas.
Ponte sem carros
Neste momento, António Mendonça já tem na sua posse o relatório final do júri que avaliou as três propostas que se apresentaram ao segundo concurso lançado pela Rave. A Tave Tejo, liderada pelos espanhóis FCC, foi a que apresentou as melhores condições financeiras.
O PÚBLICO confirmou junto dos concorrentes que ainda não houve uma notificação formal sobre os resultados dessa avaliação, nem quais são os dois consórcios que passam à fase de negociações para apresentarem as suas propostas BAFO (Best and Final Offer). Tudo indica que passarão o consórcio Tave Tejo, e os portugueses da Altavia, liderados pela Mota-Engil. Pelo caminho ficará a proposta apresentada pelo Elos, que garantiu a vitória na primeira Parceria Público-Privada para a Alta Velocidade, e que ontem assinou o contrato de concessão.
Se o ministro reafirma o compromisso de ligar Lisboa a Madrid em 2013, já o professor de engenharia civil que assina o projecto da Tave Tejo é mais cauteloso e admite que os compromissos "poderão muito bem ser adiados para 2014 ou 2015".
Ao PÚBLICO, Adão da Fonseca, catedrático da Faculdade de Economia do Porto, diz que, para já, o processo ainda está a decorrer dentro dos prazos, e o que estava inicialmente previsto - iniciar os trabalhos no segundo semestre deste ano para ter a construção da parte ferroviária no terreno em 2012 - ainda pode ser cumprido. "Estamos a falar de prazos apertados de construção, mas ainda é possível conseguir esse calendário. Mas também não será grave se, em vez de 2013, os comboios só circularem em 2014. O que me parece importante é que circulem e Portugal esteja integrado numa rede de mobilidade europeia cuja necessidade é tão visível como [mostram] as últimas restrições no espaço aéreo", argumenta.
Tal como no processo da Auto-Estradas do Centro - o primeiro projecto a ser "sacrificado" pelo Governo para tranquilizar mercados e apelos da sociedade civil - o projecto da terceira travessia do Tejo vai ser redimensionado na fase das negociações com os concorrentes. Não será, por isso, necessário lançar um novo concurso. Até porque, diz Adão da Fonseca, as peças (tabuleiro rodoviário, ferroviário, acessibilidades) estão bem identificadas no processo e, tecnicamente, "é perfeitamente possível avançar com a obra de uma forma faseada".
A decisão de "congelar", por agora, o tabuleiro rodoviário poderá significar uma poupança na ordem dos 700 milhões de euros. Contudo, os custos de construção podem ser maiores quando, mais tarde, o Governo quiser construir esta infra-estrutura. As maiores economias serão nas acessibilidades que deixam de ser precisas na margem de Lisboa e no Barreiro.
Ontem, no Ministério das Obras Públicas, em Lisboa, uma sala cheia - com Mário Lino sentado na primeira fila - aplaudiu a assinatura do contrato de concessão entre o Estado e a Elos, o consórcio que vai construir o primeiro troço de Alta Velocidade em Portugal. A preparação da obra durou dois anos e meio, o que para as empresas envolvidas fez com que "alguns projectos lá fora tivessem de ficar para trás", disse Pedro Gonçalves, presidente da Soares da Costa.
Sem querer comentar a opção política dos investimentos, apelou a que todas as decisões sobre adiamento ou suspensão sejam tomadas em conjunto com os empresários e com "largo consenso, para dar estabilidade" e permitir ao sector privado "orientar as suas opções". "O que necessitamos é de um quadro claro para o desenvolvimento da actividade futura", disse, acrescentando que as empresas não podem "ser chamadas para picos de desenvolvimento" e depois terem de se dimensionar.
Para já, certo é que o TGV entre Poceirão e Caia estará pronto em 2013, mas dificilmente o comboio rápido conseguirá chegar a horas a Lisboa.
in Publico
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