Com a chegada do Verão multiplicam-se os habituais reencontros entre "velhos" colegas de trabalho. Foi o que aconteceu no passado sábado, 29 de Maio, onde cerca de 50 ferroviários da Linha do Oeste, reformados e no activo, organizaram um almoço no Salão Milénio (Hotel Internacional das Caldas) para um encontro de várias gerações, mas com uma coisa em comum - o amor pelo caminho-de-ferro.
Manuel Marques Neves, 80 anos, 39 anos ao serviço da CP. Manuela Gomes Pedrosa, 65 anos, 40 anos ao serviço da Refer. Lino Gomes Veríssimo, 70 anos e 38 anos de trabalho. Arménio Neves, 46 anos e "ainda" com 22 anos de serviço. À primeira vista, as identidades de cada um poderão não dizer nada. Mas cada um tem uma história de vida para contar.
Reformado há 23 anos, Manuel Marques Neves não esquece a época difícil do final da década de quarenta, em que não havia muitas outras saídas profissionais, sendo a CP um porto seguro em termos de estabilidade de emprego, apesar dos baixos salários. "Em 1948 vivia-se com muita dificuldade", afirma. "Era uma crise tão grande só equiparada à que hoje assistimos. Não havia empregos. E como não tinha outra alternativa, nesse mesmo ano, fiz o pedido para praticante de factor", conta o antigo ferroviário. Fez as provas escritas, orais, exames médicos e no ano seguinte, foi colocado na estação de Alhadas (freguesia da Figueira da Foz) onde esteve oito meses "à prática, sem ganhar um tostão".
Só em 1950, começou "à séria" a sua carreira na ferrovia. Foi transferido para a estação de Pampilhosa, seguiu para a estação da Amadora - onde esteve durante 16 anos -, seguindo-se até ao fim da sua carreira sempre estações da linha do Oeste: Amieira, Martingança, Torres Vedras e Leiria. "No dia 1 de Fevereiro de 1987 deixei de trabalhar para a CP. Foram 39 anos a aguentar os encargos de ser chefe de estação", declara Manuel Marques Neves.
Nos anos sessenta ir para o caminho-de-ferro (para a "Companhia" como então se chamava) era sinónimo de emprego com o futuro. Era assim que pensava Manuel Gomes Pedrosa. "Naquela altura era uma carreira aliciante pois nas aldeias quem prevalecia era o chefe da estação e o pároco da paróquia", diz entre risos. "E como era uma carreira em que se ia sempre progredindo e que dava valor a quem trabalhava, eu decidi que era o melhor para mim. Fui estudando, concorrendo e até assinei uma declaração em como não tinha ideias subversivas por causa do antigo regime", explica Manuel Gomes Pedrosa. Chegou a ser promovido a chefe de estação, cargo com que sempre sonhara, mas que acabou por lhe ser retirado, devido a assuntos sindicais. "Quando fiz 60 anos achei que estava concluído o meu serviço: missão cumprida", afirma com satisfação por ter tido a oportunidade de percorrer o país de Norte a Sul. "Confrontámo-nos com várias culturas e não tenho razão de queixa do povo que conheci".
Apegados também às gentes da zona do Oeste são Lino Gomes Veríssimo e Arménio Neves. O primeiro recorda com nostalgia o tempo em que foi controlador de circulação na estação de Leiria. "A estação de Leiria tinha um grande movimento comercial e até nem era nada inferior à estação de Coimbra", conta, lembrando os enormes vagões com tractores agrícolas, que vinham da antiga Checoslováquia.
Arménio Neves também se enamorou pela Linha do Oeste. Ingressou na ferrovia por descendência familiar e sempre "vivi ao lado dos comboios", visto que naquele tempo as esposas não podiam ser empregadas e eram obrigadas a "seguir os maridos" por causa do mito de que o homem é que tinha de sustentar a casa. Ainda trabalhou numa empresa privada, mas os caminhos-de-ferro falaram mais alto. "Em 1987 houve um curso para auxiliar de estação, do qual concorri. E ao mesmo tempo que estava a estudar fui estagiar para o sistema de sinalização da Linha do Oeste, onde me agradou o ambiente familiar que encontrei na estação de Leiria", conta. Quando abriu uma vaga na estação da Martingança, Arménio Neves não pensou duas vezes: foi para lá, mesmo indo a casa todos os dias em Tomar, onde só cinco anos depois resolveu mudar-se de malas e bagagens para a freguesia de Alcobaça.
Mas a vida de controlo de circulação, nem sempre traz boas recordações para estes ferroviários. Histórias marcantes há muitas, mas as que vêm à memória mais rapidamente são as mais trágicas. Manuel Gomes Pedrosa não esquece o dia 23 de Fevereiro de 1973, em que dois comboios chocaram entre Leiria e Monte Real. "Eu era o chefe de estação em Leiria e sabia que os comboios iam embater, mas como não haviam os meios adequados como há hoje, não tivemos forma de informar os maquinistas", diz.
Porém, hoje a tristeza é outra e resume-se à própria Linha do Oeste. Manuel Marques Neves vê o caminho-de-ferro com saudosismo por causa do fecho repentino das estações. "E aquelas que estão abertas nem bilhetes vendem, e também já não fazem despachos", lamenta.
Já Manuel Pedrosa refere que "os comboios não são adequados aos horários das pessoas", realçando que "antigamente trabalhava-se com amor à camisola".
Quanto a soluções para a Linha do Oeste, Lino Gomes Veríssimo diz que "isso é pergunta de difícil resposta nos dias que correm, em que todos têm automóveis, há mais transportes nos centros urbanos, e é claro que as populações distantes das estações esquecem-se dos caminhos-de-ferro".
Arménio Neves, por seu turno, afirma que falta à Linha do Oeste material circulante moderno e que se devia apostar mais como sub-carrego da Linha do Norte, assim como melhorar as acessibilidades ao nível do turismo. "Tenho saudades de encontrar estações com agentes de serviço", declara Arménio Neves. "Cada vez mais há estações a fechar que dificulta tanto o sistema de trabalho, como os passageiros, que chegam a uma estação para pedirem informações e não está lá ninguém", diz.
Apesar de todas estas adversidades, estes ferroviários sentem-se felizes por terem "servido os caminhos-de-ferro e a CP". No entanto, não querem "estar parados". Lino Gomes Veríssimo começou a interessar-se pela História de Portugal e Manuel Marques Neves, que só tinha a antiga quarta classe, agarrou-se agora aos livros aos 80 anos e está a concluir o 9º ano de escolaridade. "Mas se calhar não fico por aqui, quero tirar um curso de informática", revela entre risos.
Gazeta das Caldas - Tânia Marques
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