quarta-feira, 11 de agosto de 2010

"A CP tem de dar mais atenção às necessidades dos seus clientes"

Entrevista ao presidente da CP, que está voltado para o difícil saneamento das suas contas numa época de pouca generosidade por parte do Estado


O presidente da CP não tem nada de novo para anunciar aos passageiros.

Está voltado para dentro da empresa, para o difícil saneamento das suas contas numa época de pouca generosidade por parte do Estado. Quer um contrato de prestação de serviço público com o accionista e admite o abandono de serviços não rentáveis se por eles não obtiver as devidas compensações financeiras.

Para já, a CP não terá comboios novos e terá que prolongar a vida dos actuais. Mas Benoliel mantém o interesse da CP na alta velocidade e admite um serviço transitório entre Lisboa e Madrid pela ponte 25 de Abril enquanto a TTT não estiver concluída.

Que boas notícias tem para anunciar aos clientes da CP durante o seu mandato?

Eu tenho um mandato para três anos, no qual se pode fazer alguma coisa, mas não se pode fazer tudo. Em empresas desta dimensão, as administrações vivem o bom e o mau que administrações anteriores fizeram ou deixaram de fazer, e deixarão a futuras administrações o bom ou o mau que elas façam ou deixem de fazer.

Mas em concreto?

Isso é simplificar demasiado a realidade. A melhoria do serviço é a preocupação essencial desta empresa, mas esta depende de uma série muito grande de factores, o que não se faz num tempo imediato.
Mais do que estar a dizer aos clientes em forma de propaganda que esperem esta ou aquela melhoria num ou noutro serviço, é mais importante transmitir-lhes as minhas preocupações básicas sobre o que é deve mudar dentro da CP.

E o que é que vai mudar?

A CP tem sido uma excelente empresa de engenharia, mas, sem descurar essa componente muito importante que é a segurança, deve dar a importância devida ao primado da procura, que deve traduzir-se numa maior atenção à identificação do que serão as necessidades dos clientes.
Uma oferta de caminho-de-ferro é caracterizada pela segurança, conforto, frequência e pontualidade. Mas tem de haver uma preocupação com a racionalidade do efeito de rede e da simplicidade da relação ao cliente. O cliente não tem que ser um expert no conhecimento da rede ferroviária ou das tabelas de preços. O cliente pretende é, de uma forma muito simples, poder beneficiar daquilo que o sistema lhe proporciona.

Haverá, então, alterações em relação aos horários descoordenados, aos transbordos e ao complexo tarifário da CP?

É um preocupação nossa analisar todo esse tipo de situações e resolvê-las porque a irracionalidade não é nada que nos deixe confortáveis viver com ela.
A primeira condição para resolver um problema é identificar esse problema e sentir que temos ali um problema.

E a questão do tarifário é para si um problema?

E não só. Também a questão da coordenação de horários. E toda essa coordenação deverá permitir ao cliente o benefício do efeito de rede que a CP lhe pode proporcionar. Aliás, o efeito de rede não começa e acaba só na CP, mas abrange também outros modos de transporte, sobretudo o rodoviário.

Acha normal que um cliente que pontualmente apanha um comboio de Vila Franca de Xira para Lisboa tenha de comprar um cartão Lisboa Viva porque a CP já não lhe vende um simples bilhete de ida, como sempre fez?

Haverá limitações do sistema informático que impedirão não estar já no terreno uma solução para esses casos. Nós temos essa preocupação e queremos encontrar sempre os melhores sistemas para o cliente.

Mas neste caso tratou-se de acabar com o sistema que já existia. Antes vendiam-se bilhetes normais. Agora não. Complicou-se.

Ninguém cria um sistema para complicar. Podem é ser criadas soluções mais vastas que levam a complicar uma solução em concreta.

Um cliente que saia do comboio no Cais do Sodré e queira apanhar o Metro, depara-se com duas barreiras físicas, a da CP e a do Metro. Acha que isso é um estímulo à intermodalidade?

Não será um estímulo, mas também não o vejo como uma barreira intransponível.
Eu quando falei na conjugação dos modos de transportes estava a falar sobre o rebatimento do transporte rodoviário com o ferroviário. Este, pela sua rigidez, carece da existência da rodovia par fazer rebatimento sobre a linha para que possa ser uma alternativa credível ao automóvel.

Acha que a organização da CP em unidades de negócios, independentes, não retira parte desse desejável efeito de rede do sistema ferroviário? 

De forma alguma. Penso que isso pode ser encontrado sem necessidade de estarmos perante uma única empresa e uma única direcção. Este tipo de organização em unidades de negócios da CP é um sistema relativamente avançado de gestão, que já existe há cerca de dez anos e que é um estado de arte muito avançado na responsabilização da gestão nas várias unidades de negociações.

As unidades de negócios centram-se na procura de melhores resultados financeiros, mas nem sempre resultam em favor de um melhor serviço.
Concorda? 


Não. Quando se criam unidades de negócios pretende-se responsabilizar uma equipa para um resultado, mas esse não tem que ser só financeiro. Tem que se ver o tipo de serviços que estão a ser prestados. O objectivo da CP não é a maximização de um resultado para o investidor, mas sim a prestação de um serviço às populações. Mas não deixa de ser um objectivo que deva ser alcançado com eficiência.

“Sintra e Cascais próximas de resultado equilibrado”

A Fertagus anunciou recentemente que conseguiria ter lucros prescindindo das compensações do Estado. Quando é que a CP poderá fazer o mesmo na Grande Lisboa?

As linhas de Sintra e Cascais já estão relativamente próximas de um resultado equilibrado sem ter em conta as indemnizações compensatórias. Não quero dizer que tenhamos atingido o máximo de eficiência. Material mais moderno, menos obsoleto e com menores custos de manutenção seriam uma ajuda significativa para esse objectivo, assim como será uma ajuda importante a redução dos níveis de fraude que actualmente se estão a verificar graças à instalação de barreiras nas estações.

Mas para que a CP prescinda de subsídios do Estado haverá uma contratualização com o Estado?

Já há um projecto de contratação de serviço público da CP Lisboa com o Estado, que foi apresentado à tutela pela administração anterior, e que deveria funcionar como uma experiência piloto, da qual se pudessem tirar conclusões para o avanço de outros contratos, nomeadamente CP Porto e CP Regional.
Neste momento há a intenção das duas partes em acelerar o processo e passar a ter um contrato de serviço público, não só para Lisboa, mas também para essas unidades de negócios.

Os seus antecessores disseram exactamente a mesma coisa acerca da contratualização do serviço público e esta nunca avançou. O que o faz pensar que consigo será diferente?

Não sei se vai ou não ser diferente. O contrato de serviço público depende de duas partes - o Estado e a empresa. O contrato só ocorre quando as duas partes puserem lá a sua assinatura.

Mas tem algum timing previsto para que isso venha a acontecer no seu mandato?

Não quero arriscar uma data porque não domino as variáveis que determinam esse risco. Depende das possibilidades que o Estado tem.

A recessão e o PEC não são um contexto muito favorável a esses acordos?

Estamos num contexto muito difícil para que no curto prazo essa questão esteja resolvida. Mas é um problema que mais tarde ou mais cedo se tem de resolver pois cada dia, cada mês que passa sem se resolver, só o agrava ainda mais. Se eu pudesse arvorar no final do meu mandato o saneamento financeiro da empresa, já seria qualquer coisa para ficar na história da CP.

Qual foi o prejuízo da CP em 2009?

Na ordem dos 217 milhões de euros, metade dos quais foram encargos financeiros. A CP Lisboa teve 9 milhões negativos, a CP Porto 15 milhões negativos e a CP regional um prejuízo de 57 milhões. A CP Longo Curso teve resultados positivos pela primeira vez: 1,8 milhões de euros.

De que forma é que a CP será chamada a contribuir para o PEC? Que serviços serão sacrificados?

Esse problema não está posto. O que está em cima da mesa é um adiamento do investimento. O PEC impõe determinadas regras via endividamento sectorial, cujo crescimento não pode ultrapassar 7 por cento em 2010, 6 por cento em 2011, 5 por cento em 2012 e 4 por cento em 2013. Em função disso houve que fazer uma revisão do plano de investimentos. Mas não do plano de serviços.
Como haverá um adiamento na compra de novos comboios, terá de se fazer o prolongamento da vida útil do material circulante. No material ferroviário pode-se sempre prolongar a sua vida. É uma questão de se agravar ou desagravar os custos de manutenção e de melhorar ou de piorar a sua fiabilidade. Dito de outra maneira, terá de ir mais ou menos vezes à oficina.

Indirectamente isto é uma boa notícia para a EMEF que assim terá mais trabalho?

Não há boas notícias para a EMEF pelo facto de se fazer mais manutenção. A EMEF não é um fim em si mesmo. É uma empresa instrumental, que serve para resolver os problemas de manutenção. Mas não é bom que tenhamos um material demasiado envelhecido só para dar serviço à EMEF.

O concurso de 400 milhões de euros para a compra de novos comboios foi adiado ou vai ser anulado?

Esse concurso está ainda em avaliação no respectivo júri e este é que vai determinar se as ofertas estão ou não em condições de poderem ser consideradas. Mas com esta alteração resultante do PEC, poderá haver aquisições que não vão ser feitas.

Pode, então, só ser comprada uma parte do que estava previsto?

Sim. Mas ainda estamos a aguardar uma decisão definitiva da tutela sobre quais os investimentos que a empresa está em condições de vira fazer.
Nós apresentamos uma plano alternativo de investimento condicionado às regras do PEC, que contempla o adiamento de alguns investimentos para se inserir no plano sectorial de investimentos.

”Não tenho instruções nenhumas" para a privatização da EMEF e da CP Carga

O PEC também prevê a privatização da EMEF e da CP Carga.

Não tenho instruções nenhumas nesse sentido, nem penso que seja da esfera da CP tomar decisões nessa matéria.

A CP está interessada, em parceria com a Renfe, na exploração da alta velocidade. O que o leva a pensar que ficarão com esse negócio?

Nada me leva a pensar isso, mas acho que as duas incumbentes não estarão impedidas de concorrer a esse negócio, desde que o respectivo plano de negócios e a avaliação do projecto de investimento em causa traga benefícios empresariais para ambas.

Como está a funcionar a parceria com a Renfe com o Lusitânia Expresso (comboio nocturno Lisboa-Madrid)?

Em termos do Lusitânia temos uma exploração em pool e estamos preocupados com o resultado negativo e combinamos tentar encontrar formas de, pelo menos, reduzir o prejuízo dessa ligação que foi de 730 mil euros no ano passado.
Este comboio só deverá existir até encontrarmos uma ligação competitiva entre Lisboa e Madrid que será a alta velocidade. Até lá temos que encontrar formas de reduzir o seu custo.

E o Sud Expresso?

Em relação ao Sud já não trabalhamos em pool, mas sim a risco exclusivo da CP. A manutenção desse serviço emblemático, ligado à História recente do país, tem um custo muito elevado. A CP tem de garantir a redução dos seus prejuízos e encontrar fórmulas que permitam não ter de suportar um custo tão elevado por esse “emblema”.

upgrade feito ao material não se revelou tão bom quanto se esperava?

O objectivo não era reduzir os custos, mas sim prestar um serviço melhorado ao cliente.
O problema do Sud e do Lusitânia resultam de uma procura insuficiente para o serviço que estamos a prestar. A concorrência dos outros modos de transporte ditaram uma evolução negativa deste mercado.

Mas no caso do Sud proibiram a venda de bilhetes para o serviço nacional entre Lisboa e Vilar Formoso, o que reduziu a receita.

Mas isso constituiria uma canibalização do serviço regional. Em termos de CP viria dar tudo ao mesmo. O importante é transportar esses passageiros, ou de uma maneira ou de outra, e não há aí perda de receita porque ela virá sempre por via do serviço regional.

O aluguer das automotoras espanholas deverá prolongar-se para além dos cinco anos inicialmente acordados?

Esse aluguer foi pensado porque as automotoras que estavam ao serviço tinham problemas muito graves ao nível dos motores. Pôs-se a questão: comprar a França novos motores recondicionados, ou recorrer ao aluguer de automotoras vindas de Espanha. Considerou-se que era economicamente mais interessante fazer o aluguer do que estar a adquirir os motores recondicionados. Daí essa opção.
Com as limitações do PEC, o horizonte que tínhamos previsto inicialmente, que era até à aquisição do novo material, alargou-se.

A alta velocidade Madrid-Lisboa com passagem pela ponte 25 de Abril não diminui o interesse da CP por esse negócio?

Não se deve falar em alta velocidade pela 25 de Abril. Nós só teremos alta velocidade com uma ligação entre uma estação no centro de Lisboa e uma estação no centro de Madrid. Mas se a infra-estrutura estiver completada entre Poceirão e Madrid, poderemos utilizar comboios de eixo variável (bi-bitola), capazes de velocidades na ordem dos 220 Km/hora, que permitam prosseguir a viagem do Poceirão a Lisboa pela ponte sobre o Tejo.
Mas isto não é isento de problemas porque vamos introduzir comboios rápidos internacionais no meio de tráfego de características urbanas como é aquele que hoje atravessa a ponte 25 de Abril.

Como é que vê a quebra de investimentos por parte da Refer?

Obviamente que o adiamento da modernização de infra-estruturas mantém ou agrava os constrangimentos ao serviço prestado pela CP. Tudo o que seja adiado na Refer representa também para nós um adiamento da melhoria do serviço prestado.

Que visão tem sobre as prioridades da Refer? São compatíveis com as vossas?

Criámos um grupo de trabalho entre a CP e a Refer para definir as prioridades de investimento, nomeadamente ao nível da electrificação das linhas.
Agora a Refer não tem uma oferta ao cliente. Quem a tem são os operadores (de mercadorias e passageiros). Aquilo que seja a oferta da Refer tem de estar cem por cento compaginada com a oferta que os operadores queiram fazer aos seus clientes.

Acha que a Refer se tem dispersado em investimentos que não estão centrados directamente na modernização das vias férreas?

Como assim?

Grandes projectos na construção de estações, obras rodoviárias, Centros de Controlo Operacional, em detrimento de investimento directamente na via que permitissem aumentar as velocidades?

Não tenho dado nenhum sobre essa matéria.

A CP Carga em cinco meses ficou em falência técnica. Era previsível ou inevitável que isso acontecesse?

Era absolutamente previsível que isso acontecesse. O próprio plano de constituição da empresa previa que num prazo de cinco meses não seria possível recuperar de uma situação de fortíssimo prejuízo operacional que a empresa tinha vindo a ter desde há vários anos.
Há um conjunto de medidas no sentido de permitir vir a equilibrar as contas.

Quais?

Investimento em material tractor. Compraram-se 25 locomotivas eléctricas, mas todo o parque de locomotivas diesel tem imensos problemas de fiabilidade. Nós tínhamos previsto comprar máquinas diesel, mas as dificuldades de financiamento do grupo CP também condicionaram esse plano.
Há também necessidade de ter uma política de preços que permita a empresa recuperar custos. Durante anos o paradigma das carga na CP foi o de tirar mercadorias da estrada -independentemente do seu resultado final ser positivo ou negativo, porque considerava que estava a atingir um grande objectivo fundamental que era a economia ambiental.
O transporte ferroviário permite economias muito significativas ao nível da emissão de carbono. A CP poupa milhões de euros em termos de emissão de CO2. Só que esses milhões de euros não se traduzem nas contas da empresa. E como estas apenas traduzem proveitos versus custos, o prejuízo é extremamente avultado.
Ora esse paradigma acabou a partir do momento em que a CP Carga é uma sociedade anónima autónoma da CP, pelo que terá de equilibrar as contas.

”Nas empresas são precisos gestores e não pessoas com receio de tudo e mais alguma coisa”

Está previsto reduzir pessoal na CP Carga?

No grupo CP há muitos anos que se vem reduzindo pessoal e de uma maneira pacífica, razão pela qual não tem havido conflitualidade por esse motivo. E esse paradigma aplica-se também à CP Carga. Aliás, entre 2009 e 2010 já foram dispensadas cerca de 80 pessoas na CP Carga.

Admite acabar com serviços regionais em linhas de reduzido tráfego, como o ramal de Cáceres e as linha do Leste e do Alentejo?

O que importa garantir ao nível regional é a acessibilidade das populações e a coesão nacional, objectivos que pertencem ao Estado e não à empresa. Logo, se esses serviços não corresponderem a uma procura suficiente para garantir o equilíbrio da exploração, compete ao Estado avaliar se vale a pena manter esses serviços e fazer o pagamento das indemnizações compensatórias.

A CP vai manter o serviço rodoviário alternativo nas linhas do Tua, Corgo, Tâmega e Pampilhosa ¬ Figueira da Foz?

Enquanto a CP for o concessionário, terá de manter essas alternativas.
Agora, o país tem uma meditação a fazer: será que em todo os casos é o modo ferroviário o mais indicado para garantir a acessibilidade? Ou será que em determinadas circunstâncias não haverá outros modos de transporte muito mais aptos e eficazes?
Não é só o ponto de vista económico que está em causa. É também o ambiental pois muitas vezes um transporte de um número muito reduzido de passageiros através de um meio pesadíssimo que é o caminho-de-ferro, com gastos enormíssimos de energia e factores de poluição enormes, é um problema ambiental. O Estado, a comunidade, tem de pensar se é essa a melhor forma de resolver o problema.

De que casos está a falar? Em que linhas? 

Basta percorrer o interior e ver essas situações. Não nos podemos deixar levar apenas pelo sentimento. Temos de ter racionalidade.

Essa lógica também se aplica ao contrário, isto é, o caminho-de-ferro deve ir onde há procura? Refiro-me, por exemplo, ao Oeste, cuja linha não serve, e a Viseu que não tem comboio? 

Se há uma grande procura e se já dispuser de infra-estrutura em condições, sim. Se não, a Refer deve construir onde houver uma grande procura potencial, que é detectada por nós e por outros operadores. Se houver infra-estrutura temos condições para implementar o serviço.

Pediu autorização à tutela para dar esta entrevista?

Não. Não me sinto constrangido ao ponto de não poder dar uma entrevista a quem quer que seja. O que são precisos nas empresas são gestores e não pessoas com receio de tudo e mais alguma coisa.



Carlos Cipriano
in Publico




José Benoliel, presidente da companhia ferroviária, avisa que não haverá novos comboios

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